Irritei-me por causa de um waffle com chocolate.
(e nem sequer era dos bons)
(Foto de João Porfírio - Observador)
Irritei-me por causa de um waffle. Daqueles super processados, que se compra no supermercado. E nem era dos muito bons. Porquê?
Porque estava a precisar de uma merda qualquer com açúcar. Porque quando os vi dentro do armário, em consciência, não devia comê-lo e depois já não havia quando eu queria, e alguém os comeu. E não percebeu porque me irritei.
Porque sou mulher, com flutuações graves de humor. Porque sou mãe, esposa, filha, irmã, professora, dona de casa, funcionária e porque temos que ser tudo ao mesmo tempo. Porque tenho dias bons mas também tenho dias maus. Porque tenho que ser forte para dar conforto a um filho que vai tomar a vacina num dia em que me apetecesse atirar da varanda e ver se tenho asas para voar. Porque acho que a balança devia ter-me dado boas notícias e afinal não mudou nada. E agora só quero comer. Porque estamos que estar presentes sempre para quem precisa. Porque há dias em que não tenho paciência, nem vontade nem coisa nenhuma.
Depois vejo esta foto. E choro. Não porque nunca tenha visto o começar de uma guerra. Já vi o mesmo no Iraque, em Timor, no Afeganistão, na Síria... e na Ucrânia. Não chorei porque achei que estava a ser mesquinha nos meus sentimentos supérfluos e que há motivos muito mais importantes lá fora.
Chorei porque ninguém deveria ser obrigado a despedir-se de quem gosta, sem saber se algum dia irão encontrar-se. Deve ser doloroso. Corta o coração e a alma. Desfiei o diálogo daquele casal na minha cabeça "Não quero ir", "tens que ir para ficares segura", "tem cuidado", "não te preocupes, eu tenho, vai correr tudo bem, logo logo estamos juntos", "liga-me todos os dias", "amo-te, toma conta das crianças", e assim por diante.
Não quero falar da guerra, das consequências, da crise que se avizinha no mundo e na Europa. Tudo foi dito e muito mais ainda alguém dirá. Quero falar da pressão que nos impõem na infância, na idade adulta, em todo o lado, para que reprimamos os nossos sentimentos, frustrações, o nosso cansaço e a nossa irritação e a falta de vontade de continuar. Quando nos dizem, vezes sem conta, que temos tudo, saúde, casa, comida e roupa lavada e mesmo assim estamos cansados, que não temos motivos para andar tristes nem alheados. Olha para a desgraça que vai lá fora! A pressão que existe para que sejamos tudo e mesmo assim, para que andemos sempre bem e felizes. Porque há sempre gente que está pior que nós.
Aprendemos a chorar baixinho, a esconder os sentimentos, a ser pedra.