Desafio dos Pássaros 3.0 - Tema 5
O Tinder. Aquela aplicação onde ninguém se descreve como realmente é. Onde identidades e sonhos são roubados. Onde somos todos fisicamente desejáveis e psicologicamente somos aquilo que nos der na real gana. Até os astros têm razão...
Ela apresenta-se como fisicamente bem constituída. Cabelos compridos, loiros (pintados, claro!), olhos verdes ou azuis, consoante a luminosidade do dia. É modesta, conservadora, gosta de roupitas curtas, a deixar ver o umbigo e o piercing com diamante lá pendurado. 23 anos de idade, leão, fogosa, já com alguma rodagem.
Ele apresenta-se como jeitoso e espadaúdo. Cabelo encaracolado, mas bem aparado. Barba bem feita, cortada no melhor barbeiro da zona, olhos castanhos e profundos. É senhor de negócios, por isso veste fato e camisa bem passada. 27 anos, sagitário, bem armado.
Ela esqueceu-se de dizer que é bodybuilder, que tem os músculos todos bem evidentes, que faz solário por desporto, que o peso que a máquina que o ginásio carrega já não é suficiente. Ele esqueceu-se de dizer que é anão.
Combinaram encontrar-se no café da moda, lá da freguesia. Pelo Tinder. Ela esqueceu-se de mencionar um modo de a reconhecer. E ele também não perguntou. Ela é a Ana e ele é o João.
Lá no café da freguesia ela perguntou ao emprego de balcão se conhecia o João, 27 anos, sagitário, empresário. Ele, o empregado de balcão olhou-a de alto a baixo, lascivo. Disse que não e pensou que poderia sacar-lhe o número de telefone mais tarde. Ela sentou-se e esperou.
O João chegou e olhou sorrateiramente à volta, procurando uma menina de 23 anos, bem vestida, de top curtinho com o umbigo à mostra. A única menina que viu foi aquela senhora grande e musculada, bronzeada como se tivesse estado no forno mais do que tempo previsto. Sentou-se e esperou.
O tempo passou e ambos desistiram. Pensaram, envergonhados, que o outro não tinha tido coragem de aparecer. Ela, desorientada, acabou por dar o seu número ao empregado de balcão jeitoso. Ele, desiludido, bebeu a sua cerveja, viu as vistas, e continuou a tratar dos seus negócios no telemóvel.
O Tinder. Aquela aplicação que, na realidade, não serve para nada.